sexta-feira, maio 31, 2013

Presença do grupo ISE no congresso organizado pelo SELC: Thinking, doing, learning: Usage based perspectives on second language learning

Entre os dias 24 e 26 de maio, as iseanas Ingrid Frank e Mariola Abeledo participaram do congresso Thinking, doing, learning: Usage based perspectives on second language learning na Dinamarca. Além da apresentação de dois recentes trabalhos desenvolvidos no âmbito do grupo, o congresso também possibilitou o contato com recentes pesquisas na área de Aquisição de Segunda Língua (ASL). A experiência coloca demandas de discussão para o grupo ISE, sobretudo para pesquisas realizadas no âmbito do grupo que lidam com questões de ASL.


O grupo ISE e o debate na área de ASL
Há vários anos, o grupo ISE tem se voltado para questões de ensino e aprendizagem de línguas adicionais. Esse interesse levou integrantes do grupo a envolver-se com o intenso debate entre estudiosos de Aquisição de Segunda Língua (Gass, 1998; Kasper, 1997; Gass, Lee, & Roots, 2007) e pesquisadores voltados para a dimensão social e contextual da aprendizagem de língua adicional (Hall, 1997, Firth & Wagner, 1997; 2007; Mondada & Doehler, 2004). Em 2008, Abeledo (2008) sistematizou e articulou, em sua tese de doutorado, a posição teórico-metodológica desenvolvida a partir das discussões desses textos realizadas pelo grupo ISE. Assim, a participação do grupo no SELC não só foi uma oportunidade para termos notícia dos atuais interesses e investigações dos pesquisadores que participaram do debate na área de aprendizagem de língua adicional, como também foi uma oportunidade para a apresentação da posição etnometodológica defendida no trabalho de Abeledo (2008), representativa das discussões realizadas pelo grupo acerca do debate na área de ASL.


As apresentações dos trabalhos de Mariola e de Ingrid
Mariola apresentou trabalho vinculado a sua tese de doutorado, intitulado “Um entendimento etnometodológico não longitudinal de fazer aprender espanhol como língua adicional” (A non-longitudinal ethnomethodological understanding of doing learning Spanish as an additional language), de autoria sua e de Pedro Garcez. O trabalho contrastou com diversos trabalhos que utilizavam uma metodologia longitudinal para verificar e descrever evidências de aprendizagem. Aliás, trabalhos valendo-se da metodologia longitudinal receberam bastante destaque no congresso, uma vez que o único painel de estudos que contou com um organizador e um debatedor reunia pesquisas ancoradas nessa perspectiva. O título desse painel era o seguinte: Pesquisa longitudinal em Análise da Conversa para pesquisas em Aquisição de Segunda Língua: Aprendendo língua na e através da interação (Longitudinal research in CA-SLA: Learning language in and through interaction). 

A apresentação do trabalho da Mariola e do Pedro suscitou diversos questionamentos dos participantes, que insistiram em discutir especificamente um slide do trabalho que continha a afirmação de que há pesquisas longitudinais que traçam relações de causa e efeito entre os dados. Ao responder as perguntas relacionadas à crítica explicitada nesse slide, Mariola insistiu que era preciso ter muito cuidado nas afirmações analíticas ao fazer estudos longitudinais quando se entende o uso da linguagem como radicalmente indicial. Ela explicou que, em alguns dados de sua pesquisa, os participantes se orientam para momentos interacionais anteriores, e que, nesse caso, é possível defender, numa visão local e indexical do uso da linguagem, a relação entre os dois momentos, uma vez que são os próprios participantes que se orientam para isso. Em muitas pesquisas longitudinais, no entanto, essa relação é traçada pelo pesquisador sem que os participantes demonstrem orientação para isso.

Ao ser questionada se o dado que ela havia apresentado não seria uma sequência de não aprendizagem porque, no final, a participante Marta evitava a palavra depilarse, não usava nem afeitarse com outro colega masculino nem depilarse com Malena, Mariola explicou que nem sempre a evidência de aprendizagem é a repetição da palavra. Ela explicou que justamente o fato de ter escolhido outra palavra foi a melhor demonstração de que a Marta tinha aprendido alguma coisa com aquela sequência de produção de conhecimento.

Ingrid apresentou trabalho em coautoria com Andréia Kanitz e Pedro Garcez intitulado “Aprendizagem como resolução de problemas just-in-time: evidências de um laboratório de inovação tecnológica” (Learning as solving concrete problems just in time: evidence from an engineering technological innovation laboratory). O trabalho evidenciou que, no laboratório de engenharia dedicado à produção de conhecimento de ponta, as demandas concretas do laboratório criam problemas que precisam ser resolvidos pelos participantes, sendo que ao lidar com tais problemas que os participantes produzem conhecimento “just in time” conjuntamente. A partir disso, o trabalho traçou algumas implicações para a sala de aula.

No momento reservado às perguntas, um participante afirmou que a análise se centrava muito no que os participantes falavam, mas o que parecia mais importante para a resolução do problema que eles tinham em mãos eram as ações físicas, o trabalho de mexer moinho de fato. Ingrid respondeu que tanto ações verbais quanto não verbais eram cruciais para a resolução do problema, mas que talvez ela tivesse mesmo focado nas falas dos participantes para que todos os presentes na sessão entendessem o que estava acontecendo no dado. Depois, a autora enfatizou que, sem a linguagem, verbal e não verbal, eles não tinham como alcançar aquele conhecimento conjunto. (Para próximas apresentações, talvez seja importante dar maior ênfase, na análise, para os recursos não verbais. Sugestão da Mariola: não ler os turnos, mas sim dizer a ação que corresponde aos turnos). 

Com relação às implicações pedagógicas do trabalho, uma participante comentou que era difícil criar condições de aprendizagem ou construção conjunta de conhecimento como a que estava acontecendo no dado, pois a sala de aula é um “cenário artificial”: não se tem moinhos na sala de aula, as atividades não são tão motivadoras e os alunos não se engajam. Ao responder à participante, Ingrid enfatizou que atividades de produção de conhecimento como a que ocorre no dado podem ocorrer em sala de aula por meio de tarefas que coloquem os alunos em situações em que eles precisam resolver problemas conjuntamente. A autora citou a produção da peça teatral que havia relatado no trabalho anterior como exemplo e falou que, se os participantes da pesquisa anterior precisassem “arrumar um moinho” para conseguir terminar a peça teatral, eles fariam isso, pois tinham uma demanda (uma demanda autêntica): um produto final em que eles estariam publicamente expostos, e que isso muda toda a configuração da sala de aula. É interessante notar que nenhum participante questionou se o trabalho tinha implicações para o ensino de língua adicional. Parece ter ficado claro que sim, uma vez que se discutiu bastante sobre questões pedagógicas.


O congresso
De modo geral, houve no congresso um número substancial de trabalhos aquisicionistas. Duas dentre as quatro plenárias promovidas pelo congresso foram dedicadas à discussão de questões cognitivistas (a de Nick Ellis e a de Brian MacWhinney). Já a plenária ministrada por Johannes Wagner, embora não centrada em fatores cognitivos da aprendizagem de línguas, abordou questões relacionados ao ensino de segunda língua a partir de alguns pressupostos semelhantes àqueles criticados, à época do debate, em pesquisas tradicionais em ASL: a orientação dos participantes para a identidade de aprendiz como indispensável para a ocorrência de aprendizagem, a manutenção de um ponto de chegada aonde querem chegar os aprendizes etc.

Wagner sugeriu que uma perspectiva de aquisição de segunda língua baseada no uso traz consequências radicais para questões de aprendizagem de língua. A partir disso, ele defendeu a criação de eventos de uso da linguagem que promovam tal aprendizagem. Para o autor, isso implica colocar o aprendiz em situações fora da sala de aula, onde ele pode participar de interações autênticas e desafiadoras (nas palavras de Wagner “to release the language learner into the wild”). A situação analisada pelo autor como ilustrativa disso foi a iniciativa de um projeto na Suécia em que os aprendizes de sueco vão para uma pequena cidade em que os habitantes (falantes nativos) são avisados previamente para não falarem inglês, sendo que alguns estudantes vestem uma camiseta dizendo “não fale inglês comigo”. Essas interações são gravadas para que os problemas emergentes sejam, depois, discutidos em aula com o professor, tal como o dado analisado pelo autor de um estudante pedindo por um café em uma cafeteria. 
Para Wagner, portanto, promover aprendizagens significativas implica colocar os aprendizes em situações fora da sala de aula e analisar tais situações posteriormente. O autor não cogita que se possam promover situações em sala de aula que coloquem desafios, identidades e construções conjuntas significativas para os participantes.

Já Lourdes Ortega, a outra palestrante das plenárias mais voltada para questões sociais da aprendizagem de línguas (dentre as quatro plenárias promovidas), abordou a relevância da construção de uma grande teoria para a área de ASL. Na fala de Ortega, ficou bastante claro por que um congresso denominado como “usage-based” abarcou tantos trabalhos de cunho aquisicinista e/ou cognitivista. Lourdes Ortega explicitou o atual interesse de pesquisadores da área de ASL para a construção de uma grande teoria de aprendizagem de línguas, que se denomina Usage based-Second Language Acquisition (UB-SLA). Segundo a autora, a UB-SLA abre a possibilidade de se pensar a aquisição de segunda língua de maneira mais unificada, sem tantas dicotomias, uma vez que é superada a tensão social-cognitivo e são enfatizas complementariedades.


As apresentações de trabalhos
Conforme já pontado acima, diversos trabalhos apresentados no congresso voltaram-se para questões aquisicionistas e ou cognitivas da aprendizagem de línguas. Todavia, grande parte dos trabalhos abordou a aprendizagem de línguas segundo uma perspectiva social. Foi interessante notar que vários trabalhos trataram explicitamente das implicações pedagógicas de seus estudos, isto é, o que devemos/podemos/queremos fazer em sala de aula para promover aprendizagens significativas. Por outro lado, diversos desses lidaram com noções e ideias que pareciam ter sido superadas ou, pelo menos, tratadas com cautela a partir do debate na área de ASL, tais como native speaker, input, output, transferência, interlíngua etc. Essa afiliação com tais noções se refletiu no que os diversos autores consideravam como aprendizagem significativa em seus estudos. Em grande parte dos trabalhos, aprendizagem de língua relacionava-se à incorporação de itens de vocabulário e ao desenvolvimento de competências para falar com e como um falante expert, sendo que poucos trabalhos discutiam a aprendizagem em termos de aumento de participação social. 

Ao fim e ao cabo...
A participação de integrantes do grupo ISE no SELC oportunizou o contato com as pesquisas mais recentes na área de ASL. Causou surpresa a quantidade de trabalhos aquisicionaistas no congresso, bem como a afiliação de alguns pesquisadores que estiveram ativamente envolvidos com o debate na área de ASL com pressupostos e noções aquisicionistas. Por outro lado, as razões para essa afiliação ficaram evidentes sobretudo na fala de fechamento do congresso, em que Lourdes Ortega, conforme apontado acima, explicitou a ambição de se construir uma grande teoria de ASL, que congregue questões sociais bem como cognitivas para explicar a aprendizagem de L2, denominada como UB-SLA. 

A participação do ISE no congresso também possibilitou a apresentação de trabalhos recentes realizados no âmbito do grupo, sendo especialmente interessante termos um retorno da interlocução do trabalho de Abeledo (2008), que dialogou diretamente com o debate na área de ASL e com pesquisas reportadas no congresso. Cabe aos integrantes do grupo, a partir dos resultados dessa interlocução bem como das notícias sobre as ambições da área de ASL, discutir acerca dos rumos de pesquisas no grupo: Será que as questões que nós enfrentamos/queremos enfrentar em nosso cenário educacional são relevantes para esses pesquisadores ou são muito distantes? Será que é deste círculo de discussões que queremos participar?; Será que vamos conseguir participar?

Ingrid Frank e Mariola Abeledo

segunda-feira, março 11, 2013

Primeiro encontro de 2013

Fizemos a primeira reunião de 2013 do grupo ISE na sexta-feira, 8 de março. 
Estavam presentes Fabíola Stein, Ingrid Frank, Marcela F. R. Lopes, Neiva M. Jung, Paola G. Salimen e Pedro M. Garcez.
Na confraternização após a reunião!

quarta-feira, março 06, 2013

Relato curso Etnometodologia - USP


Entre os dias 24 de fevereiro e 1º de março, Fabíola, Ingrid e Marcela participaram de um curso sobre Etnometodologia promovido pelo professor Leland McLeary na Universidade de São Paulo (USP). No curso, ministrado pelo Prof. Kenneth Liberman, emérito do Depto. de Sociologia da Universidade de Oregon, foram desenvolvidos tópicos fundamentais da Etnometodologia, especialidade do professor Liberman.

Programação do curso
Ao longo do curso, foi enfatizado que, na visão etnometodológica, a investigação é sempre um exercício de “bracketing”, isto é, um esforço de suspensão do julgamento de adequação, valor ou sucesso da organização social. Embora o próprio Prof. Liberman tenha afirmado que é praticamente impossível lançar um olhar absolutamente não tendencioso para um fenômeno social, ainda assim parece mais produtivo tentar fazer isso do que partir de uma teoria para aplicar/explicar os fenômenos sociais. Em oposição às grandes teorias sociais, Kenneth Liberman chamou a Etnometodolgia de “grounded theory”. 

O reforço dessa oposição pelo Prof. Liberman, todavia, gerou diversos questionamentos dos participantes do curso, sobretudo em relação ao compromisso da Etnometodologia em não generalizar. Se não há generalizações, o que se quer é volumes grandes de descrições? Qual seria a validade disso? A descrição de métodos para a organização da conversa, tal como em Sacks, Schegloff & Jefferson (1974) não seria um tipo de generalização? Em resposta, Liberman apenas destacou que sua crítica quanto a generalizações está nos procedimentos tradicionais de pesquisa, que, por vezes, partem de reflexão anterior do analista, para então ver o que está de fato acontecendo no mundo. Além disso, volta sua crítica àqueles que tomam como absolutas as análises de fatos sociais. 

Para discutir conceitos fundamentais da Etnometodologia, como accountability e reflexividade, Liberman apresentou excertos interacionais de suas diversas pesquisas, principalmente de seus atuais estudos com os degustadores de café e com os monges tibetanos. Kenneth observou, por exemplo, que os degustadores de café objetificam suas impressões por meio de accounts sobre o que estão degustando: ao ter uma account ratificada pelos demais, os participantes a transformam em um fato social objetivo. Tais accounts são, portanto, cruciais para o trabalho em conjunto dos degustadores, uma vez que a sua produção permite que eles compartilhem um mundo comum e “organizem a ordem” (organize the orderliness) entre eles. 
Liberman propõe, ainda, que “uma account ou formulação não só descreve o contexto, ela o elabora”. Accounts são dispositivos para que os interagentes “estejam na mesma página” (to be on the same page). Não obstante, as accounts são naturalmente confirmadas, objetivadas e então “esquecidas”, isto é, elas passam a não ser mais reconhecidas como uma construção social, e são muitas vezes tomadas como regras a serem obedecidas, como mostra o seguinte esquema apresentado pelo ministrante:

ACCOUNT -> CONFIRMATION -> OBJECTIVATION-> AUTHORIZED -> AMNESIA/DISENGAGEMENT

Relacionada a essa reflexão sobre accounts, portanto, está a discussão proposta por Liberman sobre regras. Em um trabalho junto a seus alunos da Universidade de Oregon, Liberman analisou a reflexividade das regras em jogos. Para isso, seus alunos fizeram o registro audiovisual de interações em que jogavam pela primeira vez algum jogo de tabuleiro. Qualquer um dos grupos de alunos, antes de mais nada, começava a ler o manual de regras do jogo. Em seguida, ao notarem que seria infrutífero lê-lo inteiro, os participantes começavam a lidar com as peças do jogo e a construir as regras para ele. Liberman observou que, nesse processo, os participantes passavam exatamente pelas etapas do esquema apresentado acima: no início, eles produziam accounts, que, quando confirmadas, eram objetificadas e se tornavam parte do jogo. Ao final, os mesmos participantes utilizavam as regras para coordenar o jogo e impedir ações que as desrespeitassem, como se elas fossem dadas desde o princípio. 

Enfim, o curso ministrado pelo Prof. Liberman foi uma importante oportunidade para que as participantes pudessem revisar conceitos e pressupostos fundamentais da Etnometodologia. Foi também uma ocasião bastante produtiva para se conhecer pesquisas contemporâneas na área, que, diferentemente das pesquisas iniciais no campo da Etnometodologia, podem hoje contar com recursos audiovisuais para a geração de dados. Neste pequeno relato, não foi possível expor todos os temas abordados ao longo do curso, mas, seguramente, as discussões no grupo de pesquisa ISE serão enriquecidas com as reflexões feitas no curso.


Fabíola, Ingrid e Marcela agradecem ao Prof. Leland McLeary pela oportunidade e pela receptividade demonstrada ao longo do curso.

Fabíola, Marcela e Ingrid na pausa para o café!