quarta-feira, maio 28, 2014

Palestra de Tanya Stivers na Unisinos - Relato

Ingrid Frank, doutoranda do PPG de Linguística Aplicada da UFRGS e integrante do grupo ISE, nos faz o seguinte relato sobre  a palestra da pesquisadora Tanya Stivers:

No dia 8 de maio, a Unisinos recebeu a professora e pesquisadora Ph.D. da Universidade da Califórnia Tanya Stivers. Em sua fala, Stivers apresentou resultados de suas pesquisas de interação em consultas pediátricas, que indicam modos pelos quais pais pressionam os médicos a prescreverem, sem necessidade, antibióticos como tratamento para as doenças de seus filhos.

Stivers iniciou sua fala mostrando resultados de pesquisas na área médica que indicam os perigos do tratamento de doenças eminentemente por meio de antibióticos. Segundo essas pesquisas, o uso indiscriminado de antibióticos faz com que as bactérias se tornem mais resistentes, sendo que, dentro de algum tempo, é possível que os antibióticos não sejam mais eficazes para combatê-las. Stivers sugeriu que os profissionais da área da saúde nos EUA (onde ela desenvolve sua pesquisa) estão alerta a esse problema de saúde pública, o que é atestado inclusive por cartazes pendurados nas paredes de hospitais e postos de saúde que orientam a população sobre os perigos do uso indiscriminado de antibióticos. Por outro lado, a autora aponta que recentes pesquisas na área médica indicam que, ainda assim, os EUA apresentam uma das mais altas taxas de prescrição de antibióticos no mundo.

A partir dessa descrição de pesquisas na área médica, Tanya Stivers apresentou detalhadamente interações entre pais e médicos e descreveu a prescrição de antibióticos como uma construção interacional. Os dados apresentados pela pesquisadora evidenciam que, em grande parte das ocorrências interacionais investigadas em sua pesquisa, após apresentarem o diagnóstico das crianças, os médicos prescrevem procedimentos simples para o tratamento da doença diagnosticada, tais como repouso e ingestão de líquidos. No entanto, em diversas instâncias, os pais demonstram insatisfação com o diagnóstico apresentado pelo médico ou com tratamento prescrito por ele: os pais levantam dúvidas sobre o real estado de saúde do filho, bem como levantam a possibilidade de que ele piore. Além disso, nessas ocasiões, os pais mencionam questões práticas como: “mas então ele não pode ir para a escola?” (isto é, alguém terá que cuidar da criança) ou explicam que a criança precisa melhorar logo e que justamente por isso eles procuraram um médico (que precisa resolver rapidamente o problema). Stivers apontou que, nessas ocorrências, os médicos entendem a resistência dos pais ao diagnóstico e ao tratamento prescrito como uma pressão pela prescrição de antibióticos, e acabam por atender às expectativas deles ao prescreverem antibióticos.

Stivers apontou que sua pesquisa contribui com a questão do uso indiscriminado de antibióticos ao demonstrar que os pedidos por antibióticos nem sempre são verbalizados diretamente, mas construídos interacionalmente,sobretudo quando os pais das crianças resistem ao tratamento prescrito pelo médico ou apresentam outros possíveis diagnósticos. E, uma vez que os médicos estejam aptos a reconhecer esses índices como pedidos de antibióticos, eles podem conversar diretamente com os pais acerca de suas expectativas, evitando a prescrição desnecessáriade antibióticos.

Após a explanação de Stivers, houve espaço para a manifestação da plateia: 1) Uma das pessoas presentes perguntou se Stivers havia tentado dialogar com agentes de saúde para mostrar os resultados de sua pesquisa.A pesquisadora respondeu que sim, mas que é muito difícil conseguir intervir genuinamente em questões da área da saúde, e demonstrou insatisfação em relação ao alcance dos resultados de sua pesquisa. 2) Outra pessoa perguntou se a dificuldade em dialogar com profissionais da área da saúde e de contribuir com possíveis intervenções teria relação com interesses maiores, sobretudo da indústria farmacológica. Stivers respondeu que vê essa relação, mas que parece haver maior relação com os interesses particulares dos pais, que querem resolver rapidamente os problemas de saúde das crianças para que possam trabalhar e para que não precisem voltar ao posto de saúde ou pagar por uma nova consulta. 3) Diversas pessoas da plateia começaram a levantar questões relacionando esse problema ao contexto brasileiro. Dentre essas questões, discutiu-se sobre a possibilidade de que, no Brasil, a alta taxa de prescrição de antibióticos poderia estar relacionada com a falta de médicos, o que leva esses profissionais a buscarem resolver os problemas de saúde da população de modo rápido, isto é, com o uso de antibióticos. Grande parte da plateia concordou que esse é um grave problema de saúde pública no Brasil também, e que a maioria da população não tem sequer acesso a essa informação.

A fala de Tanya Stivers foi interessante por diversos motivos, dentre eles, por demonstrar que uma importante questão de saúde pública está diretamente relacionada com o que acontece localmente na fala-em-interação entre os indivíduos. Além disso, a fala de Stivers demonstra que é um grande desafio para pesquisadores em Linguística Aplicada fazer com que suas contribuições sejam de fato compreendidas e utilizadas pelos agentes com os quais suas pesquisas dialogam, de modo a produzir reais modificações nas práticas interacionais descritas e investigadas.